sábado, 7 de julho de 2012

Pastorado: Uma profissão que exige vocação





Pela terceira vez Jesus lhe perguntou:

-Pedro, tu me amas?
-Senhor, tu sabes todas as coisas, tu sabes que eu te amo.
-Pastoreia as minhas ovelhas!


Um dia desses, ao fazer uma visita pastoral a uma brasileira que reside na mesma cidade que eu, ela me falou com voz queixosa:

-Na minha igreja, no Brasil, o pastor cuida do seu rebanho. Aqui eles não têm tempo, é tudo diferente. É como se eles não se importassem…

Durante aquela visita, tentei fazer o melhor que pude para amenizar a falta que ela sentia do seu pastor. Não sei se consegui, mas sempre passo pela casa dela ou telefono para saber se está tudo indo bem.

Mas aquela queixa me fez refletir sobre o nosso papel enquanto pastores e pastoras junto ao nosso rebanho. E fiquei pensando nas diversas maneiras de entender o que significa “ser pastor e pastora”.

Para muitas pessoas das igrejas, o pastorado é visto como um sacerdócio, ou seja, uma vocação. Isso pode significar que:

-Não importa para onde for enviado ou enviada, o pastor ou a pastora deve aceitar trabalhar em qualquer lugar, seguindo o “chamado”.
- Deve haver completo desprendimento do pastor ou da pastora, que deve estar sempre a serviço e disponível para a comunidade, mesmo que isso signifique trabalhar de domingo a domingo.
-A família, no caso do pastor, especialmente a esposa também deve dedicar-se ao serviço voluntário da igreja.  O “esposo da pastora” ainda não é tão cobrado. Por que será?
-Não importa o salário, afinal o vocacionado ou a vocacionada vive por “graça”

Conhecemos casos de pastores e pastoras que enfrentaram muitas adversidades para realizar o seu trabalho pastoral. A história dos missionários que para cá vieram com suas famílias nos mostra isso. Também conhecemos inúmeras “esposas de pastores” que, muitas vezes, deixaram de ter sua própria profissão para ajudar o esposo no pastorado tornando-se musicistas, professoras de escola dominical, coordenadoras dos trabalhos de mulheres ou assumindo outras tantas tarefas. O quanto isto afetou as suas vidas pessoais é um capítulo da história a ser escrito. Sabemos que pastores e pastoras viveram, muitas vezes, da caridade dos fiéis e não de salários dignos. Alguns, por força das circunstâncias, até  exercem o pastorado de forma voluntária e ganham seu sustento de outra maneira. O quanto isso pode estar afetando as comunidades locais é algo que muitas igrejas já estão  refletindo.

Sabemos que é importante que qualquer escolha profissional seja feita com base em alguns requisitos. No caso do pastorado não é diferente. Sim, precisamos pensar no pastorado também em termos profissionais. O trabalho pastoral é árduo e exige muito preparo e dedicação. Será que é por isso que é difícil encontrar estudantes de teologia que queiram assumir o pastorado?  
Não basta conhecer a Bíblia, hoje o exercício pastoral está muito mais exigente. Precisa-se  de muitas horas de estudo e preparo. Afinal, o público também está cada dia mais e melhor informado. Continuamos com a obrigação de não apenas conhecer a Bíblia, mas também conhecer bem a realidade em que estamos pregando o evangelho. Ampliando e atualizando o conselho de Karl Barth: O pastor e a pastora precisam estar com a Bíblia em uma mão e com o jornal e a internet na outra. Sem falar na constante atualização teológica, pois a reflexão e produção teológica séria na América Latina é imensa. Se, antes, a nossa fonte de pesquisa era predominantemente a teologia norte-americana e europeia, hoje nos voltamos mais e mais para a produção latino-americana, por causa de sua reflexão contextualizada que fala a partir de e para nossos problemas.

Além de muito estudo e preparo, o pastor ou a pastora tem que entender um pouco de tudo; deve ser uma espécie de profissional dos “sete instrumentos”.  Vejamos:

-Deve ter boa didática para preparar e saber dar uma boa aula da Escola Dominical, senão corre o risco de o pessoal não aparecer.
- Deve ser bom pregador ou pregadora para concorrer com aquele programa de TV ou jogo de computador, que pode ser muito mais interessante.
-Deve saber elaborar uma boa liturgia, que seja contextualizada e atraente, mas sem descambar para um programa de auditório.
-Deve ser conciliador/a para lidar com o dia a dia da comunidade e saber resolver os problemas que surgem.
-Deve entender de psicologia, porque tem a tarefa do aconselhamento e cuidado pastoral e precisa saber como acolher uma pessoa que necessita de uma palavra, uma oração ou simplesmente a presença amiga
-Deve ter liderança boa e positiva, para motivar as pessoas a trabalharem em conjunto, senão vai acabar fazendo tudo sozinho.

Além de tudo isso, vem a doação. E é aí que muita gente desiste mesmo. O pastor e a pastora é a pessoa que não tem praia no domingo. Natal e Ano Novo em família? Se morarem em cidades diferentes, pode desistir. Também  não dá para, no final do expediente, simplesmente fechar a porta e ir para casa e esquecer o trabalho, pois a morte, a doença, o desespero não tem hora para bater na porta dos fieis nem manda recado. E faz parte da função pastoral acompanhar o seu rebanho.
Também o constante exercício da paciência e do equilíbrio é extremamente necessário. Ninguém vai ao consultório médico para opinar sobre o tratamento que ele deve prescrever. Ninguém vai dizer à advogada como ela deve elaborar a defesa de um cliente ou como ela se deve portar no tribunal. Não se diz ao bancário como ele deve trabalhar. Mas, no trabalho pastoral, todo o mundo se sente no direito de falar, criticar e, se possível, ensinar ao pastor e à pastora como deve agir.

De fato, não é fácil ser pastor ou pastora. É praticamente impossível que alguém atenda a todos os requisitos apresentados acima. Mas, muitas igrejas ainda exigem que alguém que queira abraçar o pastorado atenda a esses requisitos.  Será que é por causa dessa exigência que está diminuindo drasticamente o número de candidatos e candidatas ao pastorado?
Algumas profissões necessitam de uma vocação e preparo especial. O pastorado é, sem dúvida, uma delas. Eis a diferença quando se exerce uma profissão apenas por obrigação e quando a exercemos por vocação: o profissional cumpre apenas a sua obrigação, o vocacionado cumpre a sua obrigação e dá mais um pouco de si. Estudar, atualizar-se, estar à disposição daqueles que precisam de cuidado, encontrar o melhor momento para ir ao encontro daqueles que estão fragilizados, angustiados, oferecendo-lhes apoio – tudo isso faz parte da vocação pastoral. Por isso, o pastor e a pastora não se importam em não viajar com a família em datas festivas quando a família da fé precisa dele ou dela (Lc 9,57-62). 

Procurei saber de algumas colegas de pastorado de outras denominações cristãs por que elas gostam de ser pastoras. Algumas responderam, outras me confessaram que estavam mesmo se questionando sobre isto. Encontrei algumas respostas que vieram ao encontro do meu sentimento.

Que outra profissão nos dá a alegria de poder estudar a palavra de Deus junto com o povo e ver alguns conceitos irem se formando e, por outro lado, alguns preconceitos irem sendo deixados de lado? Que outra profissão nos dá a possibilidade de trabalhar com as diversas faixas etárias e ver o amadurecimento da fé? Perceber que a partir do estudo da Bíblia e da reflexão sobre a nossa realidade vão se estabelecendo relações mais justas e solidárias? Que outra profissão nos dá a alegria de ver que aquela criancinha que um dia seguramos no colo para batizar, hoje é um jovem ou uma jovem atuante na igreja, levando uma vida saudável? Ou que aquele casal cujo matrimônio abençoamos há tantos anos ainda continua junto e feliz? Que outra profissão nos dá a sensação boa de ter estado ao lado de alguém que precisou muito das nossas orações, de nosso apoio em momento difícil?  Que outra profissão nos dá a alegria de terminar um culto e ver que as pessoas saíram animadas, desafiadas ou confortadas com o que foi dito? Que outra profissão nos dá a possibilidade de crescer com outros grupos na troca de experiências de fé? São tantos aspectos prazerosos e compensadores!
Sou de uma geração de pastores que precisava ter outro trabalho para manter-se. Hoje olho para trás e vejo como fui negligente em muitos aspectos. Sempre correndo, sem ter tempo para tantas coisas importantes. Espero um dia corrigir esta falha.
Penso que, já no processo de escolha pastoral, a igreja deveria deixar claro o perfil de atividade pastoral que espera e, por outro lado, o pastor ou a pastora precisa deixar claro qual o perfil do trabalho eclesial que pretende desenvolver. Isso evitaria futuros desencontros e desilusões. O pedido que Jesus fez a Pedro é um pedido que, na verdade, faz a todos e todas nós, não somente ao ministro ordenado. O sacerdócio é de todos os crentes, por isso a comunidade também é chamada a participar da missão da Igreja de acordo com os seus dons. Pastores e pastoras não são perfeitos, a presença da comunidade em oração, intercessão e aconselhamento é importante e sempre bem vinda.
 Sim, sem dúvida, o trabalho pastoral é árduo e exige mais do que uma preparação profissional, exige entrega de vida. Assumir o pastorado é dar um sim ao chamado de Deus, tendo consciência de que o trabalho que realizamos não é mérito próprio, mas ação do Espírito Santo. Seremos cobrados pelo muito que nos foi dado. Isso fica claro no texto de Lucas 12,41-48, que traz orientações específicas de Jesus para os seus discípulos. Exercer o pastorado é, antes de ser um privilégio, uma responsabilidade.
Que possamos um dia olhar para trás e afirmar como o apóstolo Paulo: “Combati o bom combate, acabei minha carreira e guardei a minha fé”. Amém.  

                             Revda Sônia Gomes Mota. 

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